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Investigadora portuguesa ganha bolsa para planeamento do uso sustentável do Oceano na Antárctida


A investigadora portuguesa Catarina Frazão Santos vai pensar o espaço marinho da Antárctida, ou seja, investigar os benefícios e os desafios do espaço marinho da Antárctida e planear o seu uso de forma sustentável, justa e que promova a adaptação e a mitigação das alterações climáticas. A Antárctida é uma região de capital importância na regulação da saúde do oceano e na regulação climática.

Catarina Frazão Santos ganhou uma bolsa de 1,5 milhões de euros do Conselho Europeu de Investigação para levar a cabo o projecto que deve começar no primeiro trimestre de 2024 e durar cinco anos.

A Antárctida é uma região de capital importância na regulação da saúde do oceano e na regulação climática. A reforçá-lo, a visita oficial à Antárctida, na semana passada, do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que alertou para a aceleração do degelo, que acontece três vezes mais rápido do que há 30 anos.

“O que acontece na Antárctida não fica pela Antárctida. E o que acontece a milhares de quilómetros de distância tem um impacto directo aqui mesmo na Antárctida. Vivemos num mundo interligado. A poluição causada pelos combustíveis fósseis está a consumir o nosso planeta”, palavras de António Guterres uma semana antes da próxima conferência da ONU sobre o clima, COP 28, que vai acontecer de 30 de Novembro a 12 de Dezembros no Dubai, Emirados Árabes Unidos.

Em entrevista à RFI, Catarina Frazão Santos explica que o trabalho está centrado na Antárctica, mas a ideia é que daqui saiam aprendizagens que possam ser aplicadas e transferidas para outros pontos do planeta.

Que projecto é este?

Este projecto, financiado pelo European Research Council [Conselho Europeu de Investigação], tem como objectivo principal investigar tanto os benefícios como os desafios de olhar para o espaço marinho da Antárctida e tentar planear o seu uso como processo de ordenamento do espaço marinho que seja sustentável, justo e que promova a adaptação e a mitigação das alterações climáticas. 

O que é que significa ordenamento do espaço marinho? É um processo que é desenvolvido a nível mundial, em mais de 75 países, e que tem a ver com organizar o uso do espaço marinho: que actividades é que decorrem, em que zonas e em que altura? E quando estamos a falar de actividades, estamos a falar de pesca, de aquacultura, de transporte marítimo, mas estamos também a falar de conservação porque, por exemplo, as áreas marinhas protegidas não são uma actividade económica, mas são o uso do espaço marinho.

Portanto, de que forma é que podemos organizar e optimizar o espaço para diminuir conflitos entre os usos e diminuir conflitos entre os usos e o ambiente, pressões ambientais.

Na Antárctida não existe nenhum processo a ser desenvolvido. É a única bacia oceânica a nível mundial onde nunca foi desenvolvida nenhuma iniciativa desta natureza a uma grande escala. 

Este projecto chama-se “Planeamento do Uso Sustentável do Oceano na Antárctida num contexto de Alterações Ambientais Globais (PLAnT)”. Há uma relação entre o ordenamento do espaço marítimo e as alterações climáticas ou é ao contrário, são as alterações climáticas que nos obrigam a reordenar o espaço marítimo? 

O ordenamento do espaço marinho é, por um lado, afectado pelas alterações climáticas, como as alterações climáticas trazem alterações nas condições oceânicas e nos ecossistemas marinhos e os usos humanos que dependem desses ecossistemas e dessas condições oceânicas vão ser alterados no espaço e no tempo. 

Por exemplo, se tivermos recursos pesqueiras a moverem-se para uma determinada zona, a pesca vai ter de seguir esses recursos ou então mudar os recursos que procura pescar.

Portanto, se os usos vão ser alterados no espaço e no tempo, então, o processo que organiza esses usos também vai ser afectado e vai ter de se conseguir adaptar.

Isto é um dos lados da equação. 

O outro lado é que se pensarmos nestas alterações logo à partida, quando estamos a ordenar o espaço marinho, podemos encontrar oportunidades para minimizar estes impactos, seja por antecipar novos conflitos e tentar evitar evitá-los, seja por identificar zonas que devem ser protegidas e que têm um efeito no aumento da resiliência ecológica, seja por aumentar a resiliência socioeconómica de comunidades locais por os ajudar a pensar e por aprender com eles e co-desenvolver soluções que respondam melhor aos impactos das alterações climáticas. 

Portanto, o ordenamento do espaço marinho acaba por ter estes dois lados: um de ser afectado pelas alterações climáticas e o outro de poder contribuir para minimizar os efeitos das alterações climáticas. 

Essa alteração do ordenamento do espaço marítimo pode contribuir para, por exemplo, absorver os efeitos do aquecimento global do planeta?

Não tão directamente, seria óptimo, mas pensando a nível mundial, porque o ordenamento do espaço é desenvolvido em países por todo o mundo, ao proteger e promover áreas para a conservação de ecossistemas de carbono azul, vamos estar a promover que haja uma absorção e uma captura do carbono e, com isso, estamos a contribuir para a mitigação das alterações climáticas. 

Mas quem fala em em ecossistemas de carbono azul fala também em, por exemplo, ter áreas para a produção de energia renovável ou promover áreas para transporte marítimo que use combustíveis mais verdes. São formas de suportar a acção climática através deste processo de ordenamento. 

Como é que foi esse processo até chegar a esta candidatura? Imagino que longo. 

Sim, foi um processo longo, mas foi um processo que foi acontecendo naturalmente.

Eu sou bióloga marinha de formação. Ao longo do tempo, fui caminhando para ciências menos naturais e mais sociais. Acabei por fazer um doutoramento a estudar o ordenamento espaço marinho em Portugal, de uma perspectiva política e depois disso, como continuava a trabalhar num contexto que era estar rodeada por biólogos marinhos e que estudavam os efeitos das alterações climáticas nos ecossistemas marinhos, começámos a pensar, como é que estas duas áreas se interligam.

Isto foi há sete anos e nos últimos sete anos o meu foco de investigação tem sido esta interligação entre ordenamento do espaço marinho, alterações climáticas e sustentabilidade do oceano. 

Nesse processo tivemos um projecto inicial que focava exactamente este tema e no âmbito do qual nos apercebemos que, de facto, a Antárctida era a única região que não tinha nem artigos científicos sobre o tema, nem iniciativas sobre o tema, apesar de haver áreas marinhas protegidas e gestão espacial na região. 

Não havia processos de ordenamento de espaço marinho quando, por exemplo, no Árctico existe. 

Então, começámos a olhar de forma comparativa e tentar perceber quais é que eram as diferenças e porque é que isso acontecia.

Ao mesmo tempo, estávamos a tentar suportar esta ideia de um ordenamento espaço marinho, climate smart ou inteligente do ponto de vista climático e quais é que eram as várias dimensões que este tipo de ordenamento devia ter. Uma delas tem a ver com integrar conhecimento climático através de modulação climática ou estudos de vulnerabilidade e de risco.

Outra dimensão tem a ver com promover uma própria adaptação no processo de ordenamento, porque mesmo quando temos os melhores métodos de modulação e de análise de risco, há incerteza e pode haver erros, portanto, vai sempre haver surpresas, vamos sempre precisar de ter flexibilidade no processo de ordenamento e de gestão espacial. E, por outro lado, era esta oportunidade de identificar acções de mitigação e adaptação que pudessem ser suportadas através do processo de ordenamento do espaço marinho.

Foi um tema em que trabalhamos bastante nos últimos sete anos e que no ano passado foi reconhecido pela UNESCO e pela Comissão Europeia como uma das prioridades para o ordenamento do espaço marinho a nível mundial nos próximos cinco anos.

 Nessa pesquisa, percebemos que, de facto, não há nenhum caso de estudo a nível mundial que tenha estas três dimensões de um ordenamento de espaço marinho, inteligente do ponto de vista climático, a serem postas em prática e sendo este um tema que vai ter desenvolvimentos grandes por ser uma prioridade para os próximos cinco anos, ter um exemplo de como as alterações climáticas podem ser integradas no processo de planeamento era muito importante. 

Esse facto, junto com o facto de na Antárctida não haver nada sobre o tema e da Antárctida estar a sofrer alterações significativas por causa das alterações climáticas, com efeitos muito significativos a nível mundial, porque, apesar de ser uma região remota, é uma região que tem efeitos a nível global. 

Que é fundamental na regulação do oceano e também na temperatura climática, não é? 

Exactamente. Portanto, por todas essas razões, pensamos, vamos explorar a ideia do ordenamento do espaço marinho na Antárctida.

Por um lado, temos um palco ideal para mostrar os benefícios do que é um ordenamento de espaço marinho climate smart, por outro lado é benéfico para a região, porque a região também tem tido um aumento de pressão humana, nomeadamente através das pescas e do turismo. E, dando aqui um passo atrás, com o Novo Acordo das Nações Unidas para o Alto Mar há o reconhecimento do papel de instrumentos de gestão espacial para a conservação e o uso sustentável das águas internacionais e o ordenamento do espaço marinho é um tipo de instrumento de gestão especial. 

Ao olharmos para a Antárctida, sendo uma área gerida a nível Internacional, temos também um primeiro caso de estudo a larga escala do que poderá ser um ordenamento de espaço marinho em águas internacionais. 

Foi assim que chegámos ao projecto PLAnT e a esta ideia: mais do que ter uma solução única no final, será explorar os benefícios e os desafios de desenvolver um processo desta natureza numa área com aquelas características. 

Quando é que o trabalho vai começar? É no primeiro trimestre de 2024 e durante quanto tempo? Como é que vai ser esse processo? 

O projecto deverá ser iniciado em Fevereiro ou Março de 2024 e depois decorre durante cinco anos. Durante esses cinco anos temos cinco pilares principais que vão ser desenvolvidos

O primeiro tem a ver com uma caracterização da região a nível de que sistemas socioeconómicos marinhos é que estão presentes, que usos humanos é que estão presentes, quais é que são as principais pressões humanas, quais são os principais recursos que existem. Portanto, uma fotografia do que existe. E isso é a base de qualquer processo de ornamento de espaço marinho.

Depois, temos um segundo pilar, que tem a ver com olhar para o futuro e imaginar vários futuros possíveis para a região e as várias consequências que vêm desses cenários. Aqui vamos usar tanto metodologias de ciências naturais como modulação climática, modulação de redistribuição de espécies, como também metodologias de ciências sociais, em que vamos explorar a criação de narrativas e de cenários juntamente com os stakeholders, com os agentes interessados ou afectados na região.

O terceiro pilar que tem a ver com a acção climática e com identificar as tais oportunidades de suportar medidas de adaptação e mitigação através do ordenamento de espaço marinho e, ao mesmo tempo, perceber através de que mecanismos é que podemos tornar o ordenamento de espaço marinho da região mais flexível e dinâmico.

O quarto pilar, que é muito importante, tem a ver com a análise dos factores políticos, institucionais e socioeconómicos que vão ou limitar ou promover a implementação destes instrumentos, destes processos de ordenamento de espaço marinho. É uma análise de governança. É importante sempre, mas num contexto como o da Antárctida, em que a gestão e a governança são feitas a nível internacional, ainda vai ser mais complexo.

Por fim, temos o quinto pilar que tem a ver com a transferência de todas as lições aprendidas para outras regiões a nível mundial e é a tal oportunidade de inspirar, nações costeiras de todo o mundo, de como podemos fazer um ordenamento de espaço marinho sustentável e inteligente do ponto de vista climático e, por outro lado, é uma oportunidade de ter aqui um exemplo de como é que pode haver um ordenamento de espaço marinho a nível Internacional. Quais é que são os desafios e quais é que são as oportunidades.

 

Tudo isto só é possível com dinheiro. Portanto, 1.5 milhões de euros parece muito, mas na verdade, se não houvesse esse apoio, a investigação seria completamente impossível, até porque é um trabalho que se estende no tempo, mas é um trabalho que também envolve muitas pessoas.

Tudo isto só é possível com dinheiro. Portanto, 1.5 milhões de euros parece muito, mas na verdade, se não houvesse esse apoio, a investigação seria completamente impossível, até porque é um trabalho que se estende no tempo, mas é um trabalho que também envolve muita gente. 

Sim, este contexto da bolsa do European Research Council é fundamental. Este 1.5 milhões de euros parece muito, mas depois, na prática, não é. É o necessário para se poder atacar um problema desta dimensão, em todas estas frentes em simultâneo, porque sem isto, de facto, poderíamos, obviamente, investigar um ou outro pilar, mas nunca todos ao mesmo tempo e num período de tempo tão curto.

Apesar de serem cinco anos, é muito trabalho para esses cinco anos. Só um financiamento desta natureza é que permite desenvolver todo este projecto neste período de tempo, desta forma tão integrada.

Além disso, o projecto inclui a criação de uma equipa dedicada para trabalhar no projecto e haverá também um advisory board [conselho consultivo] composto por peritos internacionais que providenciará orientação e que será sempre consultado para que o projecto se desenvolva da melhor forma.


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 November 27, 2023  13m