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COP 28: “Cabo Verde e Portugal estão a fazer com que a dívida produza um efeito virtuoso”


Cabo Verde e Portugal apresentaram na COP 28, que decorre no Dubai, o acordo global de transformação da dívida bilateral de Cabo Verde versus Portugal em financiamento climático. O primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, apela mais países a seguirem este exemplo “para que o financiamento climático não seja realizado à custa de mais dívida.”

“Troca de dívida por financiamento climático: como Portugal e Cabo Verde querem liderar a transição climática” foi o evento protagonizado pelos dois países na COP 28, que decorre até 12 de Dezembro, no Dubai, Emirados Árabes Unidos. 

No verão passado, Praia e Lisboa acordaram a transformação da dívida cabo-verdiana a Portugal num fundo ambiental e climáticos. A verba, cerca de 12 milhões de euros, destina-se a dois projectos relacionados com o reforço da capacidade da produção de energia renovável, que permitirá ao arquipélago cabo-verdiano aproximar-se da meta dos 50% de energia renovável até 2030.

O montante agora afecto a este fundo climático, representa a dívida que seria paga por Cabo Verde a Portugal até 2025. Nessa data, os dois países devem fazer uma avaliação da operação e o mecanismo poderá mesmo vir a ser alargado à restante dívida, 140 milhões de euros.

Em entrevista à RFI, o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, sublinhou a importância deste acordo para o arquipélago e apela mais países a seguirem este exemplo “transformação da dívida em investimento”, “para que o financiamento climático não seja realizado à custa de mais dívida.”

O que é que foi assinado no Dubai, na COP 28, entre Cabo Verde e Portugal?

Em Junho, assinamos o acordo global de transformação da dívida bilateral de Cabo Verde versus Portugal em financiamento climático e ambiental e, agora, no Dubai, concretizamos. A adenda é a afectação das disponibilidades do serviço da dívida, que vence até 2025, cerca de 12 milhões de euros, em projectos concretos: o reforço do investimento para transmitir energética, nomeadamente a nível da substituição de painéis com maior desempenho em termos de produção e de capacidade de produção de energia renovável e, também, a nível do nexo entre a água e a energia, particularmente no que concerne à água para a actividade agrícola. São dois projectos que terão um impacto muito forte no país.

Relativamente aos painéis solares, vai permitir duplicar a capacidade de produção instalada no Parque Solar de Palmarejo e em relação ao projecto do nexo entre água e energias renováveis, vai servir essencialmente para podermos equipar os poços onde se faz ainda alguma extracção e produção de água subterrânea e, também, para baixar os custos da produção. 

Demos um passo significativo em pouco tempo. Não só implementámos um mecanismo de transformação da dívida em investimento, como estamos a concretizar com projectos concretos. 

Estamos a falar, numa primeira fase, de 12 milhões de euros, no pressuposto de que uma boa execução desta fase permitirá, depois, alargar o financiamento para a totalidade da dívida, que são cerca de 140 milhões de euros.

Esta reconversão acaba por resolver duas problemáticas, a questão da urgência de soluções climáticas e a questão da dívida de Cabo Verde para com Portugal? 

Certo e até na perspectiva de apresentarmos esta abordagem de Cabo Verde e Portugal como algo que deveria ser adoptado por outros países e outros credores. Aquilo que funciona em pequena escala, pode funcionar em grande escala. 

Nós conseguimos mostrar porque houve vontade política, trabalho técnico, houve todo o suporte construído para tornarmos realidade algo que tem estado a ser debatido: a questão da dívida dos pequenos estados insulares, como Cabo Verde, mas a dívida dos países em desenvolvimento, e ao mesmo tempo, criar condições para libertar recursos para que o financiamento climático não seja realizado à custa de mais dívida.

Cabo Verde e Portugal estão a fazer com que a dívida produza um efeito virtuoso, é o serviço da dívida que, em vez de ser pago a Portugal, será aplicado em investimentos que vão aumentar a resiliência de Cabo Verde e aumentar a capacidade de aceleração da transição energética. Isto, por sua vez, reduz as necessidades de importação de combustíveis e reduz os riscos de exposição a crises energéticas, como temos estado a viver. Cria melhores condições de resiliência e de redução da volatilidade externa do país.

Estes investimentos têm esse ciclo virtuoso, porque promovem a necessidade de menos dívida futura. Em termos de sustentabilidade é o caminho que nos parece certo. 

Esperamos que este exemplo de Cabo Verde e Portugal possa ser estendido, nomeadamente nas relações dos países da União Europeia com os países africanos, relativamente à problemática da dívida e à problemática do financiamento efectivo, para que possamos atingir as metas que estão a ser discutidas há muito tempo, COP após COP.

A questão do financiamento arrasta-se há anos. Deve, o financiamento, encontrar mecanismos de ser efectivo e recorrente?

Sim. Os compromissos existem, o problema é a sua concretização e em tempo necessário para que se possa reverter a situação que o mundo vive. 

Os países menos desenvolvidos, particularmente os países insulares, os ditos SIDS (Small Island Developing States - Pequenos Estados insulares em desenvolvimento) são muito expostos às alterações climáticas. Temos necessidade de adaptação e de mitigação dos efeitos, mas o que é ainda mais significativo é que o mundo, o planeta Terra, precisa que os países emissores de carbono reduzam drasticamente essa emissão, porque só o esforço dos países em desenvolvimento - que são os menos poluidores - não será suficiente para alterar o quadro do aquecimento global. 

O financiamento tem de ir junto com a redução das emissões, para podermos viver neste planeta e garantir um futuro às novas gerações, sem o perigo da extinção da própria Terra.

O que é que falta nestas COP’s para que efectivamente saiam daqui acções concretas? São feitas muitas promessas que, muitas vezes, não são cumpridas. É preciso um maior envolvimento e um maior compromisso, como é que se chega a esse compromisso?

Têm havido avanços. Por exemplo, nesta COP 28, o princípio da criação de um fundo de reparação de danos e perdas devido às alterações climáticas está assumido. Existem fundos que têm sido disponibilizados, mas ainda sem a força e intensidade necessários e com critérios que não esbarrem no excesso de exigências burocráticas para permitir a sua execução. 

Em segundo lugar, entre os países menos desenvolvidos existe a problemática que se prende com a utilização dos combustíveis fósseis tendo em conta os atrasos na industrialização e, ao mesmo tempo, promover uma maior penetração das energias renováveis. 

Em Cabo Verde não temos este dilema. Para nós, a aposta é nas energias renováveis e quanto mais penetração, melhor por causa dos diversos impactos económicos, sociais, ambientais e climáticos.

Em relação a países africanos que são produtores de combustíveis fósseis esbarra-se, muitas vezes, com esse dilema - que se encontra também em alguns países mais desenvolvidos - querem estar de bem com os fósseis e com as energias renováveis, o que não é possível. 

A vontade política é que faz mover este processo, para haver cada vez maior engajamento e progresso para uma acção climática efectiva. Portanto, isto depende muito das lideranças mundiais e dos compromissos que têm que ser feitos.

Não posso dizer que não tem havido progressos, o problema é a lentidão desses progressos versus aquilo que é aceleração do processo de mudanças climáticas, com efeitos e impactos gravosos.

O sucesso desta COP 28 não está comprometido pelo facto de se realizar num petro-estado?

Acho que não. É petro-estado, vive muito do petróleo, mas os países do Médio Oriente estão a investir nas energias renováveis, fazendo um processo de substituição gradual. 

Mais importante do que o local onde a COP 28 é realizada, é o compromisso dos países e a solução que pode vir a ser adoptada. O compromisso envolve, particularmente, alguns países que são muito fortes em termos de produção industrial e de energia, Estados Unidos, China e a Índia, pelo impacto populacional, pelo impacto das suas economias e pelo grande consumo que produzem relativamente aos combustíveis fósseis. É tudo isto conjugado que nos fará chegar a uma solução mais equilibrada.

Eu estou optimista! Não há solução alternativa porque não há Planeta B, como se costuma dizer, e por isso tem de se encontrar uma solução.

A nível de problemáticas associadas às alterações climáticas, quais são os grandes problemas de Cabo Verde?

Cabo Verde é um pequeno Estado insular em desenvolvimento, extremamente vulnerável às alterações climáticas. Além disso, temos a particularidade de estarmos localizados no corredor do Sahel, a zona árida do Sahel, que sofre as influências de secas severas. 

O problema do aquecimento global também afecta países insulares com gravidade e há ainda o registo de fenómenos meteorológicos extremos: seca severa, chuvas torrenciais.


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 December 6, 2023  8m