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Estudo mostra que “raspadores” fintam os plásticos nos rios


Quais são as consequências da presença de plásticos de grandes dimensões nos rios e ribeiros? Verónica Ferreira, investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, debruçou-se sobre o tema e concluiu que, afinal, há quem se consiga adaptar e até tirar partido da presença dos plásticos.

A investigação foi publicada na revistaEnvironmental Pollution e estudou os efeitos da poluição por macroplásticos nos rios e ribeiros, a partir de 18 estudos já existentes. A autora é Verónica Ferreira, investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, que concluiu que nem todos os organismos são negativamente afectados e há um grupo de invertebrados aquáticos, os raspadores, que consegue tirar proveito dos macroplásticos. Porém, raspar essa camada de plástico pode libertar para a água toxicidade e ser fonte adicional de poluentes.

A RFI conversou com a investigadora do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.

RFI: Qual é a principal conclusão do estudo?

Verónica Ferreira, investigadora: O estudo concluiu que a poluição dos rios por plástico de grandes dimensões, os chamados macroplásticos, aqueles que se conseguem ver facilmente a olho nu, têm efeitos negativos nos invertebrados aquáticos, que são aqueles organismos que vivem no fundo do rio associados às areias e à vegetação aquática. No entanto, nem todos estes organismos são negativamente afectados.

Aparentemente, o grupo dos raspadores, aqueles que raspam as superfícies aquáticas, normalmente as superfícies das pedras, as superfícies das folhas para retirarem aquela camada de algas das quais se alimentam, estes raspadores conseguem também raspar a superfície dos plásticos, onde também se desenvolve esta camada de algas, das quais eles se alimentam. Por isso, parecem não ser muito negativamente afetados pela presença destes plásticos s e na sua superfície continuar a desenvolver-se esta camada de algas que lhes serve de alimento.

Mas todos os outros grupos estão realmente negativamente afectados: os predadores, os organismos que se alimentam de detritos vegetais, todos os outros grupos efectivamente sofrem um impacto negativo pela presença destes plásticos no ambiente.

Mas, de uma forma geral, não podemos esperar que estes raspadores limpem os riachos dos plásticos que lá estão?

Não, não, isso não vai acontecer porque eles efectivamente só usam os plásticos como uma superfície. Eles não consomem os plásticos, os plásticos não têm características nutritivas para qualquer organismo aquático. Eles simplesmente usam o plástico como uma superfície. Devido ao desenvolvimento das algas, e as algas desenvolvem-se em qualquer superfície aquática, uma vez que os plásticos entrem na água também são colonizados por algas e desenvolve-se à sua superfície uma camada de algas que serve de alimento a estes raspadores. Simplesmente estes raspadores vão ter como que uma superfície adicional onde se alimentar, mas não vão eles próprios alimentar-se de plásticos, nem levar a uma degradação muito intensa de plásticos.

De qualquer maneira, foi muito interessante porque se assumia que os plásticos teriam sempre um efeito negativo por serem um elemento completamente externo ao ecossistema ao qual os organismos não estão adaptados e do qual não podem tirar muito proveito. No entanto, este grupo particular, como raspa as superfícies, os plásticos fornecendo uma superfície adicional para o desenvolvimento das algas, deste ponto de vista, não parece afectar muito este grupo de organismos.

No entanto, não podemos realmente esquecer todos os outros efeitos que esta presença de macroplásticos pode ter porque os macroplásticos têm componentes químicos, como aditivos e substâncias que são adicionadas durante o processo de fabrico para conferir aos plásticos determinadas características que, quando na água, podem ser libertados, que depois podem levar a efeitos nefastos em toda a vida aquática porque são químicos que muitas vezes interferem com o funcionamento hormonal dos organismos, por exemplo.

Por isso, só a presença dos plásticos, sejam eles de que tamanho for, pode ter esse efeito negativo, que não é directo, não é devido à presença do plástico em si, mas devido à libertação das substâncias que esse plástico contém.

De que forma é que esta notícia, que os raspadores tirem efeitos positivos desta poluição, pode ser benéfica para todos os outros e para os próprios raspadores?

Isso poderá ser respondido com estudos realmente empíricos no laboratório, no campo, que se têm que fazer para avaliar realmente de que maneira é que estes raspadores podem tirar proveito para além de consumirem as algas que se desenvolvem à superfície dos plásticos. Efectivamente, o processo de raspar a superfície dos plásticos pode, de alguma maneira, danificar os plásticos e facilitar a sua degradação, o que não é necessariamente bom porque os macroplásticos são fáceis de retirar do ambiente, no entanto, os microplásticos e os nanoplásticos - que resultam da degradação dos macroplásticos - já nem por isso.

Por isso, degradar macroplásticos em fracções mais pequeninas pode até ser um problema acrescido porque depois torna muito mais difícil a sua remoção do ambiente, facilita muito mais o seu transporte para áreas a jusante, por isso não é necessariamente uma coisa boa porque enquanto que os macroplásticos, nós facilmente, em campanhas de limpezas, os recolhemos e retiramos do ambiente, depois o mesmo já não acontece com estas fracções mais pequenas.

Algo que é original neste estudo é focar-se mais na poluição em rios e riachos. Em geral, estuda-se mais nos oceanos, não é?

Exactamente. Aliás, há dois aspectos que são novidade neste estudo. Um deles é precisamente que a questão da poluição por plástico está muito estudada no oceano, é um problema que todos conhecem. No entanto, os plásticos chegam ao oceano via, na maior parte, os rios que desaguam nos oceanos. No entanto, a poluição por plástico nos rios não está muito estudada, principalmente no que diz respeito aos macroplásticos. Sabe-se muito sobre microplásticos e nanoplásticos, que são as fracções mais pequeninas, mas sobre macroplásticos não há muita informação.

Este estudo foi pegar nestes dois aspectos. Avaliou o efeito dos macroplásticos, que é uma fracção de plásticos menos estudada e focou-se nos rios que é o ambiente onde os plásticos estão menos estudados. Por isso, realmente é essa a grande contribuição que este estudo faz: focou esses dois aspectos que na literatura científica ainda não estão bem explorados e fez isso recorrendo à literatura publicada, o que permitiu reunir uma grande base de dados onde pudemos explorar estas relações entre os macroplásticos e os macroinvertebrados em rios.

Que impacto é que espera que o estudo tenha, não só junto da comunidade científica, mas também junto do público em geral? Finalmente, é alertar mais uma vez para o perigo dos plásticos, sejam macro, sejam micro, no ambiente?

Exacto. Este estudo pode ter grande impacto em ambas as comunidades. Na comunidade científica porque aponta várias vias de investigação futura. Como eu disse, este estudo é baseado na literatura publicada, o que permitiu testar novas hipóteses e reunir uma grande base de dados, onde podemos explorar uma série de perguntas que ainda não tinham sido exploradas empiricamente. Mas ao fazer isso, apontámos quais as perguntas empíricas que agora devem ser testadas em situação real, em situação de campo, para verificar se o que encontrámos - com base nesta análise da literatura - se verifica realmente uma situação real. Por isso, há aqui muitas perguntas que foram lançadas e que podem agora inspirar os investigadores a responder.

E pode também ter um impacto na sociedade em geral, precisamente porque alerta, mais uma vez, para o as problemáticas da poluição por macroplásticos que se fazem sentir igualmente nos rios, como já sabemos que existe nos oceanos. É importante realmente termos consciência que qualquer detrito que lancemos ao chão vai parar num rio antes de ir parar ao oceano e tem no rio efeitos igualmente nefastos como tem no oceano.

Nunca é demais destacar os efeitos nefastos que o plástico tem, seja nos oceanos, seja nos rios. Quais são os efeitos desta poluição por macroplásticos nos rios e nos ribeiros?

Os efeitos são a vários níveis, nomeadamente o macroplástico em si, como estrutura, tem efeitos negativos porque ao ser introduzido no ambiente, pode até criar ali alguma diversidade estrutural, é uma nova estrutura que aparece ali no ambiente e pode contribuir para diversificar as estruturas que existem no ambiente, no entanto, não pode de todo ser usado como fonte alimentar.

Por isso é que ele tem efeitos negativos em todos os grupos de organismos porque os organismos, por exemplo, que se alimentam de detritos vegetais, de folhas, de ramos, não conseguem tirar proveito do plástico. O plástico não serve como fonte de alimento, no máximo vai servir como um local de refúgio porque é uma estrutura que é ali adicionada ao ambiente, mas não funciona como fonte de alimento.

Depois, tem muitos componentes químicos que são adicionados durante o processo de fabrico, mas que quando o plástico é submergido em água, acabam por ser libertados. Componentes químicos estes que vão afectar o funcionamento hormonal dos organismos aquáticos, por exemplo, ou que vão exercer toxicidade nos organismos aquáticos. Eu diria que são estes os dois grandes efeitos negativos que não serve de alimento, não pode ser explorado dessa maneira pelos organismos aquáticos e é uma fonte de poluentes que vai libertando enquanto está dentro de água.


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 January 15, 2024  9m