Um dos aspectos menos edificantes da vida profissional, na minha opinião, é o corporativismo. O corporativismo é aquela propensão à defesa de interesses próprios por parte de grupos organizados, que muitas vezes não compartilham mais do que a mera atuação profissional. O corporativismo faz explodir o número de órgãos de representação, conselhos de classe, propostas de reservas de mercado para atuação profissional e frequentemente faz a defesa do indivíduo com base em sua profissão, ao invés da justiça e correção de seus atos.
Perceba que ninguém é necessariamente bom ou está necessariamente correto apenas porque é professor, ou pesquisador ou cientista. Em verdade, todos os regimes autoritários e repressores do mundo contam com o apoio de pesquisadores, cientistas e professores, que dão suporte e propagam as ideias autoritárias e repressoras desses regimes. Hitler contava com o apoio de um time de pesquisadores e cientistas para desenvolver e divulgar suas ideias supremacistas e promoveu um festival de horrores na Medicina em nome da ciência e da pesquisa.
Deve ficar claro que o corporativismo nada tem a ver com a legítima discussão e luta por direitos trabalhistas e políticos. O corporativismo trata principalmente da demanda por e da manutenção de privilégios.
Por exemplo, um dos conceitos mais obtusos gestados durante a pandemia é o da autonomia do médico para prescrever tratamentos para pacientes, com base apenas na sua compreensão particular do mundo e no acordo com o paciente. Essa tese, que tem sido amplamente defendida por órgãos de representação e agentes governamentais, pretende em verdade apenas dar ao médico o direito de atuar de forma ideologicamente engajada e de exercer suas atividades profissionais como uma espécie de bruxo, isentando-o de qualquer responsabilidade pelo que faz ao paciente.
O conceito da pretensa autonomia do médico é tão absurdo que pode ser derrubado por mero exercício de questionamento teórico. Por exemplo, será que alguém tem o direito de induzir o paciente à morte, ou de tratar gripe com estricnina ou ainda prescrever o tratamento da tuberculose à base de chá de camomila ? Como as respostas para essas perguntas são obviamente NÃO, parece claro que o médico não tem autonomia nem autoridade para matar ou não curar, porque não é essa a sua missão profissional.
Como pensador e profissional, resista e procure se afastar da tentação corporativista. Antes de perguntar se uma proposta é boa para o grupo do qual você faz parte, pergunte se a proposta é boa e justa com a sociedade que o cerca e na qual você está inserido.
Referências: